Direito Digital Podcast Por Ana Frazão e Caitlin Mulholland capa

Direito Digital

Direito Digital

De: Ana Frazão e Caitlin Mulholland
Ouça grátis

Sobre este áudio

Podcast sobre temas atuais do Direito Digital apresentado por Ana Frazão, professora de Direito Comercial e Econômico da Universidade de Brasília, e por Caitlin Mulholland, professora de Direito Civil da PUC do Rio de Janeiro.Ana Frazão e Caitlin Mulholland
Episódios
  • EP#46: Dados Sintéticos
    Jun 4 2025

    Vivemos uma era movida por dados. Das decisões empresariais às políticas públicas, da publicidade personalizada aos diagnósticos médicos, passando por mecanismos de reconhecimento facial, análise preditiva e sistemas de recomendação, os dados estão em tudo. Mas e quando esses dados não estão disponíveis? Quando são incompletos, enviesados ou simplesmente impossíveis de acessar por barreiras legais, éticas ou estruturais? Nesse cenário, os dados sintéticos ganham cada vez mais espaço como solução — ou, para alguns, como um novo problema. Mas afinal, o que são dados sintéticos?

    Ao contrário do que o nome pode sugerir, dados sintéticos não são “dados falsos” no sentido vulgar da palavra. Eles são gerados artificialmente por meio de algoritmos que imitam as propriedades estatísticas dos dados reais. A ideia é que eles reproduzam padrões, correlações e comportamentos esperados, sem revelar ou expor informações verdadeiras de indivíduos ou organizações.

    Na prática, os dados sintéticos são criados a partir de dois métodos principais: a perturbação de dados reais com ruído (técnica que protege a identidade e confunde tentativas de reidentificação) e a geração completamente autônoma de novos dados por meio de modelos generativos, como os GANs (Redes Generativas Adversariais) — a mesma tecnologia por trás de deepfakes e imagens hiper-realistas geradas por IA.

    Esse avanço resolve um problema antigo: a escassez crônica de dados confiáveis. Como destacou o professor Marcelo Finger, da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista recente, até mesmo grandes laboratórios como a OpenAI enfrentam limitações nesse aspecto. “Vivemos com a falta crônica de dados, mesmo com a OpenAI”, afirmou. Em muitos setores, como a saúde, finanças ou direito, o acesso a dados reais é cercado de sigilo, alto custo e complexidade regulatória. A alternativa? Criar dados que sejam fiéis à realidade, mas que não representem ninguém em específico.

    A adoção dessa tecnologia vem crescendo. De acordo com relatório da Gartner, até 2030, 60% dos dados utilizados para treinar modelos de IA serão sintéticos. E isso não é ficção científica — já hoje, empresas como a Nvidia, Google, Meta e startups especializadas como Synthetaic e Mostly AI investem pesadamente nessa frente. Na indústria automotiva, por exemplo, dados sintéticos são usados para simular bilhões de quilômetros rodados por veículos autônomos sem precisar sair do laboratório. Na área da saúde, permitem criar bancos de dados de pacientes fictícios que ajudam a treinar algoritmos diagnósticos sem ferir o sigilo médico.

    Há uma preocupação adicional quando esses dados alimentam sistemas com alta autonomia decisória, como sistemas judiciais automatizados, inteligência artificial em decisões administrativas ou análise de risco bancário. Nesses contextos, a ilusão de objetividade dos dados sintéticos pode ser ainda mais perigosa que o viés explícito de dados reais, justamente porque escapa à percepção crítica dos operadores.

    Outro ponto sensível é o direito à transparência. Se a IA toma decisões com base em dados que não são auditáveis, porque são sintéticos, como será possível realizar controle social, revisões judiciais ou perícias técnicas? Isso toca diretamente o coração do direito digital: o equilíbrio entre inovação e responsabilidade, entre o possível e o aceitável

    Nas universidades, o uso de dados sintéticos também se expande. Na PUC-Rio, por exemplo, pesquisadores têm estudado formas de aplicar essa tecnologia em estudos de políticas públicas, enquanto na UFRJ e na FGV surgem debates sobre os limites jurídicos e éticos da manipulação de dados no contexto da inteligência artificial.


    Neste episódio vamos aprofundar esses debates. Vamos entender como os dados sintéticos estão sendo utilizados, quais as promessas e os perigos que trazem, e de que forma o Direito pode — e deve — responder a essa nova fronteira da realidade artificial. Vem com a gente!


    Exibir mais Exibir menos
    53 minutos
  • EP#45: Críticas ao livro de Direito Digital do Novo Código Civil
    Apr 30 2025

    O avanço das tecnologias digitais revolucionou completamente nossa forma de viver, trabalhar e interagir. Redes sociais, inteligência artificial, criptomoedas e a vida digital transformaram as relações humanas, gerando novos desafios para o Direito. Diante desse cenário dinâmico e complexo, tornou-se urgente repensar o marco regulatório civil brasileiro para atender às demandas do século XXI.


    Recentemente, uma Comissão de Juristas apresentou um ousado anteprojeto de reforma do Código Civil, que inclui, pela primeira vez, um Livro específico dedicado ao Direito Digital. A intenção declarada é modernizar e adequar o ordenamento jurídico às novas realidades tecnológicas. No entanto, esse projeto, que parecia promissor, rapidamente tornou-se alvo de críticas contundentes por parte de especialistas renomados.

    Uma das vozes mais destacadas é a da jurista Judith Martins-Costa, que classifica a proposta como um exemplo claro de "populismo jurídico". Segundo ela, o texto apresenta soluções superficiais e imprecisas para questões extremamente complexas, criando um cenário de insegurança jurídica e aplicação difícil.


    Um dos pontos centrais do debate envolve os princípios gerais que sustentam a proposta. Princípios fundamentais como a dignidade da pessoa humana, privacidade, autonomia e proteção de dados pessoais deveriam guiar a legislação digital. Porém, especialistas alertam que o texto atual do anteprojeto traz definições vagas e superficiais, pouco capazes de enfrentar os desafios reais relacionados à dignidade e privacidade no ambiente virtual.


    Além disso, a questão da identidade digital e da proteção à personalidade no espaço virtual emerge como um ponto crucial e controverso. A sociedade digital enfrenta situações inéditas, como clonagem de perfis, exposição indevida e danos à reputação digital. A crítica principal é que o projeto não apresenta soluções robustas ou claras para proteger efetivamente os indivíduos dessas ameaças.


    Outro tema relevante é o patrimônio e a herança digital, uma realidade cada vez mais presente no cotidiano das pessoas. Ativos digitais como contas em redes sociais, plataformas de streaming e criptomoedas representam valores econômicos e afetivos significativos. Contudo, especialistas indicam que a proposta atual carece de critérios claros e eficientes para regulamentar a transferência desses bens após a morte dos usuários, deixando incertezas sobre o futuro desse patrimônio.


    A responsabilidade civil por danos digitais, especialmente os causados por algoritmos e inteligência artificial, também gera debates intensos. Apesar de o anteprojeto reconhecer esses desafios, críticos apontam falta de precisão e clareza na atribuição de responsabilidades jurídicas diante dos danos causados por decisões automatizadas.


    O aspecto da proteção de dados pessoais e consentimento digital aparece como um ponto-chave de articulação entre o novo Livro e regulamentações existentes, como a LGPD brasileira e o GDPR europeu. Porém, há dúvidas se o anteprojeto consegue avançar de maneira coerente e eficaz, ou se repete abordagens já existentes sem acrescentar segurança jurídica adicional.


    Grande parte das propostas do Livro de Direito Digital carece de conteúdo normativo efetivo, seja por prolixidade ou por reticência. Muitos dispositivos limitam-se a afirmar que regras já existentes no Código Civil aplicam-se "também" ao ambiente digital, criando redundâncias desnecessárias e potencialmente perigosas do ponto de vista interpretativo.


    Por exemplo, o anteprojeto propõe alterar o artigo 1.634 para estabelecer que os pais devem "fiscalizar as atividades dos filhos no ambiente digital", como se tal obrigação já não estivesse implícita no poder familiar. Similarmente, dispositivos sobre quitação de débitos são modificados para incluir expressamente a possibilidade de quitação "por meio digital", algo que já seria possível pela interpretação sistemática do ordenamento.


    Vamos debater esse assunto. Vem com a gente!


    Exibir mais Exibir menos
    59 minutos
  • EP#44: Nova Resolução do CNJ sobre uso de IA no Judiciário
    Mar 31 2025

    Há alguns meses fizemos um episódio sobre o uso de IA pelo poder Judiciário e no último dia 14 de março, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução CNJ nº 615/2025, estabelecendo diretrizes para o uso de ferramentas de IA por magistrados, servidores e tribunais em todo o país. A norma veio em meio ao crescimento vertiginoso de soluções generativas como o ChatGPT e ao avanço da jurimetria e da automação em cortes estaduais e federais. Era urgente haver um marco regulatório — e ele veio. Mas será que veio como deveria?

    A resolução é extensa, tem quase cinquenta artigos e traz um arsenal de boas intenções: regras de governança, diretrizes de transparência, classificação de riscos, exigência de auditoria e até a criação de um Comitê Nacional de Inteligência Artificial do Judiciário, composto por representantes do MP, da Defensoria, da OAB e da sociedade civil. Parece um avanço. E de fato é. Mas como todo avanço, carrega riscos e contradições — e é justamente sobre isso que vamos falar neste episódio.

    De um lado, a resolução segue padrões internacionais, como o AI Act da União Europeia, adotando uma lógica de regulação por risco. Ferramentas que avaliam comportamento ou traçam perfis biométricos, por exemplo, foram corretamente classificadas como de alto risco e, portanto, vedadas ou submetidas a regras rígidas. Também há vedações claras ao uso de IA em decisões que envolvam dados sigilosos, e exige-se que os modelos contratados passem por auditorias técnicas. Até aqui, ótimo.

    Mas do outro lado, a norma parece tropeçar onde não poderia. E a crítica dos especialistas é quase uníssona: muitas das funções consideradas de “baixo risco” envolvem, na prática, atividades essenciais ao processo de decisão judicial. A extração de dados, a classificação de documentos, a sugestão de jurisprudência e até a geração de textos-base para decisões judiciais foram enquadradas como inofensivas — quando, na verdade, estão no centro do debate sobre o papel da IA no processo.

    O que acontece se o juiz passa a simplesmente referendar aquilo que a máquina lhe entrega como rascunho? O que significa, na prática, permitir o uso de IA como “suporte à decisão” sem exigir uma supervisão humana robusta e tecnicamente qualificada? E mais: que tipo de incentivos e pressões esse uso gera para acelerar julgamentos, sacrificar a análise contextual ou promover decisões padronizadas e desumanizadas?

    A preocupação aumenta quando se vê que a Resolução autoriza magistrados a contratar diretamente soluções privadas de IA generativa, como os modelos que já conhecemos, sem oferecer ferramentas institucionais equivalentes. Isso mesmo: na ausência de uma solução oficial, o juiz pode usar o que estiver à mão — desde que siga algumas diretrizes e faça um curso de capacitação.

    Mas quem garante que as cláusulas contratuais negociadas por um juiz, individualmente, conseguirão limitar o uso indevido de dados por big techs ou evitar conflitos de interesse com empresas que também são partes em processos? É possível confiar em uma regulação que joga para o contrato particular a contenção de riscos sistêmicos? Especialistas alertam: isso é terceirizar a responsabilidade do Estado e fragilizar a confiança no sistema de Justiça. Além disso, há silêncio quase absoluto sobre segredo de negócios, vieses algorítmicos e os conflitos éticos da IA generativa. A resolução diz que tudo deve ser transparente e seguro, mas não indica os mecanismos para garantir essa segurança — especialmente em um país que é, hoje, o vice-campeão mundial em ataques cibernéticos.

    O episódio de hoje vai explorar todos esses pontos. Vamos apresentar a resolução em detalhes, ouvir vozes críticas e favoráveis, e discutir por que a IA não pode ser vista apenas como ferramenta, mas sim como um ator com agência, com impacto real na construção das decisões judiciais. Vem com a gente!



    Exibir mais Exibir menos
    1 hora e 2 minutos

O que os ouvintes dizem sobre Direito Digital

Nota média dos ouvintes. Apenas ouvintes que tiverem escutado o título podem escrever avaliações.

Avaliações - Selecione as abas abaixo para mudar a fonte das avaliações.