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Direito Digital

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De: Ana Frazão e Caitlin Mulholland
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Sobre este áudio

Podcast sobre temas atuais do Direito Digital apresentado por Ana Frazão, professora de Direito Comercial e Econômico da Universidade de Brasília, e por Caitlin Mulholland, professora de Direito Civil da PUC do Rio de Janeiro.Ana Frazão e Caitlin Mulholland
Episódios
  • EP#49: ECA Digital e os Perigos da Adultização de crianças na internet
    Sep 3 2025

    Imagina o seguinte cenário: um youtuber de humor, conhecido pelo estilo debochado, solta um vídeo de quase uma hora sem nenhuma piada. Nada de memes, nada de edição engraçada. Só um alerta sério, pesado e necessário. Esse foi o caso do Felca e seu vídeo sobre a adultização infantil nas redes sociais. O impacto foi imediato: milhões de visualizações em poucos dias, uma enxurrada de debates e, na sequência, prisões, CPIs e até aprovação de uma lei no Congresso.

    O gatilho foi expor como crianças e adolescentes vêm sendo transformados em “mini adultos” diante das câmeras — dançando músicas sexualizadas, falando de dinheiro, exibindo implantes, bebendo, como se a infância fosse só um trampolim para engajamento e monetização. E o símbolo dessa distorção virou o influenciador Hytalo Santos, que chamava seus seguidores mirins de “crias”, “filhas” e “genros”, colocava menores em situações de namoro e em festas com bebidas. As denúncias contra Hytalo Santos não eram totalmente novas. Desde 2024, o Ministério Público da Paraíba (MPPB) já investigava o influenciador por possível exploração de menores em seus conteúdos.

    Duas frentes de investigação foram instauradas por promotorias em João Pessoa e Bayeux, apurando se os vídeos de Hytalo possuíam teor sexual e violavam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Na época, Hytalo defendeu-se publicamente afirmando que as mães das crianças consentiam com as gravações e que algumas adolescentes já seriam emancipadas. Ele alegou ter boa relação com as famílias, argumentando que “tudo tem o consentimento das mães”. Contudo, pela lei, mesmo o consentimento dos pais não legitima situações de possível abuso ou sexualização de menores, especialmente se houver violação de direitos fundamentais previstos no ECA.

    Após a publicação do vídeo de Felca em 6 de agosto de 2025, o caso Hytalo ganhou enorme visibilidade nacional. Nos dias imediatamente seguintes, as autoridades agiram rapidamente: em 12 de agosto, a Justiça da Paraíba determinou a suspensão de todos os perfis de Hytalo nas redes sociais (uma medida cautelar para cessar a exposição dos menores). No dia 13, foi expedido um mandado de busca e apreensão na residência do influenciador, onde a polícia apreendeu celulares e outros materiais para investigação.

    Hytalo negou as acusações em suas redes, mas a apuração prosseguiu com força total. Finalmente, em 15 de agosto de 2025, Hytalo Santos foi preso preventivamente junto com seu marido, Israel “MC Euro” Vicente. A prisão ocorreu em Carapicuíba (SP) por uma força-tarefa da Polícia Civil de São Paulo em colaboração com as autoridades da Paraíba, já que as ordens judiciais partiram da 2ª Vara de Bayeux-PB.


    Esse caso também abriu espaço para discutir um tema que parecia “inofensivo”: o sharenting, a mania de pais e mães de exporem a vida dos filhos nas redes desde o berço, que já foi tema de outro episódio do nosso podcast. Estudo recente mostra que 80% das crianças já têm presença digital antes dos dois anos. O que parecia só orgulho de família virou um prato cheio para riscos de privacidade, cyberbullying e até pedofilia. E aqui entra um dilema: até onde vai o direito dos pais de postar, e onde começa o direito da criança a não ser exposta?


    No fim das contas, o vídeo do Felca foi o estopim de um debate que não vai se encerrar tão cedo. Estamos falando de direito digital, direito da infância, responsabilidade dos pais e das plataformas. O caso Hytalo mostrou que quando a lei não chega a tempo, o mercado e a cultura online acabam preenchendo esse vácuo — quase sempre contra os interesses das crianças. E agora, como equilibrar a presença digital dos menores, que já é um fato, com a obrigação de protegê-los de abusos, exploração e superexposição? Quais os caminhos jurídicos possíveis? Regulação das plataformas é reforçada com esses episódios? É esse o ponto em que vamos discutir nesse episódio. Vem com a gente.

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  • EP#48: Narrativas intransigentes na regulação de IA
    Aug 6 2025

    A instalação da Comissão Especial na Câmara dos Deputados para analisar o Projeto de Lei 2338/2023 — que estabelece princípios, direitos e deveres para o desenvolvimento e uso responsável da inteligência artificial no Brasil — reaqueceu uma série de narrativas intransigentes que têm marcado os debates públicos e políticos sobre regulação tecnológica. Esses discursos, em muitos casos, desvirtuam o conteúdo do projeto e dificultam a construção de consensos mínimos sobre a urgência de um marco legal claro e democrático para a IA no país.


    É possível identificar, com base nas audiências públicas, em comunicados de entidades do setor e nas redes sociais de parlamentares e influenciadores, três grandes grupos narrativos que têm dominado os espaços de disputa: (1) narrativas econômico-liberais contra regulação, (2) narrativas ideológicas associando regulação à censura, e (3) narrativas que minimizam os riscos relacionados à proteção de dados.


    A primeira e uma das narrativas mais difundidas parte de setores empresariais e de representantes do setor tecnológico que afirmam, de forma categórica, que qualquer tentativa de regular a IA neste momento comprometerá a inovação e o desenvolvimento do país. Essa tese se expressa em formulações recorrentes como: “O PL 2338 impõe encargos que podem barrar a inovação.”; “A governança proposta é excessiva.”; “A intervenção da ANPD poderá afastar investimentos e sufocar startups.”; “O mercado se autorregula melhor.”


    A crítica mais estruturada a essa narrativa tem vindo de economistas, juristas e especialistas em direitos digitais, que lembram que setores como saúde, aviação e finanças são altamente regulados e, ainda assim, inovadores. Como ironizou o instituto Data Privacy Brasil, essas justificativas formam uma “ladainha típica de lobistas anti-regulação”, baseada em mitos não sustentados empiricamente.

    Outro conjunto de narrativas que tem contaminado o debate gira em torno da suposta intenção do projeto de censurar vozes conservadoras e de institucionalizar um “controle ideológico” das tecnologias. Essa linha discursiva, amplamente disseminada por influenciadores da extrema-direita e por parlamentares de oposição, costuma associar o PL 2338 a um projeto mais amplo de “censura digital”, ainda que o texto do projeto não trate de moderação de conteúdo nem regule redes sociais.


    Um terceiro eixo narrativo opera por meio da relativização dos riscos associados à coleta e ao uso massivo de dados pessoais para treinar sistemas de IA. Ainda que não seja amplamente vocalizada em discursos oficiais, essa narrativa circula com frequência em bastidores parlamentares e ambientes técnicos pouco sensíveis à agenda de proteção de dados. A ideia subjacente é simples, mas perigosa: “Se os dados já estão na internet, por que se preocupar em regulá-los?” Essa postura minimiza os efeitos negativos do uso não consentido de dados pessoais — inclusive sensíveis —, e desconsidera os riscos reais de discriminação algorítmica, vazamentos, manipulação comportamental e vigilância em massa.


    A crítica legítima a pontos específicos do projeto é não apenas bem-vinda como necessária — é assim que se melhora uma proposta legislativa. No episódio de hoje vamos discutir como a proliferação de narrativas intransigentes e desinformativas impede o amadurecimento do debate público e desvia o foco do que realmente importa: construir uma regulação democrática, baseada em evidências, que posicione o Brasil como um protagonista global na adoção responsável da inteligência artificial. Vem com a gente!


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  • EP#47: O julgamento do STF do art. 19 do MCI
    Jul 2 2025

    Por trás do artigo 19 do Marco Civil da Internet — aquele mesmo, celebrado em 2014 como guardião da liberdade de expressão no Brasil digital — esconde-se um debate explosivo, que há anos ferve, mas que agora atingiu o ponto de ebulição. Quando nasceu, ele parecia simples: se alguém se sentisse lesado por algo publicado nas redes, só com ordem judicial a plataforma deveria remover o conteúdo. A promessa era proteger o espaço do debate público, evitar censura privada, impedir que gigantes da tecnologia se tornassem juízes do que deve ou não circular.

    Mas a realidade, sempre mais complexa do que os melhores projetos de lei, mudou o jogo. As redes sociais explodiram, algoritmos tomaram conta das conversas e, com eles, cresceram também comunidades tóxicas, ataques coordenados, perfis falsos e uma enxurrada de desinformação. O cenário ficou especialmente tenso após episódios como os de 8 de janeiro de 2023, quando a democracia balançou e o país inteiro se perguntou: quem, afinal, deve responder por tanto caos digital?


    O julgamento do artigo 19 não foi um simples duelo jurídico. Foi, na verdade, a tradução das ansiedades, esperanças e medos de um país diante do colapso das fronteiras entre liberdade e responsabilidade. De um lado, a maioria dos ministros apontou que, diante dos riscos atuais, não dava mais para esperar o Legislativo. Eles defenderam um regime mais dinâmico, capaz de dar resposta rápida a violações graves, como ameaças à democracia e ataques aos direitos fundamentais. O modelo híbrido que emergiu da decisão mistura o rigor do Judiciário com a velocidade das notificações extrajudiciais: agora, em casos graves, a plataforma pode ser responsabilizada se, notificada, não agir — tudo isso sem depender de ordem judicial, salvo quando se trata de crimes contra a honra.

    Houve resistência. Três ministros insistiram que qualquer mudança estrutural deveria partir do Congresso. Argumentaram que mexer na regra do jogo sem lei específica abre caminho para ativismo judicial e riscos de censura, transferindo demais poder para as empresas. No meio do caminho, uma terceira via: preservar a exigência judicial para crimes de honra, mas impor às plataformas obrigações claras e imediatas diante de ilícitos graves — sobretudo após notificação formal.

    O resultado? Um novo regime, provisório mas robusto, que redefine o papel das plataformas, coloca o Legislativo contra a parede e empurra as empresas para uma corrida por transparência e eficiência. Agora, para e-mails, grupos privados ou crimes de honra, a velha lógica judicial se mantém. Mas para o restante, especialmente quando há nudez não consentida, conteúdo envolvendo crianças ou ações que atentem contra a democracia, a régua subiu: as plataformas precisam ser proativas, sob pena de responder por omissão.


    No plano político, a decisão foi qualquer coisa, menos neutra. Para muitos, o STF agiu para suprir uma omissão inaceitável do Congresso, defendendo direitos fundamentais num momento de crise institucional. Para outros, foi ativismo puro, ameaça à separação dos poderes e, claro, um risco à liberdade de expressão. O recado ficou claro: se o Congresso não reagir, o Judiciário está disposto a assumir o protagonismo da regulação digital, ao menos por ora.


    O sistema criado é provisório, experimental, e traz consigo insegurança jurídica. Sem uma legislação clara, cada caso será uma prova de fogo, exigindo vigilância constante da sociedade civil, da academia e de organizações de defesa dos direitos digitais.

    O que está em jogo, afinal, é o futuro da democracia digital no Brasil? O STF encerra um ciclo e inaugura outro, mais incerto e repleto de desafios? O que virá depois? É sobre isso que falaremos no episódio de hoje. Vem com a gente.


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