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Direito Digital

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De: Ana Frazão e Caitlin Mulholland
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Sobre este título

Podcast sobre temas atuais do Direito Digital apresentado por Ana Frazão, professora de Direito Comercial e Econômico da Universidade de Brasília, e por Caitlin Mulholland, professora de Direito Civil da PUC do Rio de Janeiro.Ana Frazão e Caitlin Mulholland
Episódios
  • EP#51: Contratos Algorítmicos, com prof. José Faleiros Júnior
    Oct 29 2025

    Imagine uma grande empresa de logística que depende de um fornecedor de peças raras em outro continente. Em vez de depender de advogados, corretores e bancos para gerenciar pagamentos, inspeções e entregas, essa empresa utiliza um sistema que chamaremos de Contrato Algorítmico. Este contrato não é um mero PDF assinado digitalmente. É um código de computador, um arranjo automatizado, robustecido por Inteligência Artificial (IA) e aprendizado de máquina (machine learning).

    À medida que o navio do fornecedor viaja, o algoritmo monitora variáveis em tempo real através de sensores e APIs (Interfaces de Programação de Aplicações): o preço do combustível, atrasos devido a tempestades imprevistas, flutuações cambiais. Se um evento extraordinário (como um aumento súbito e brutal no custo do combustível) ameaça o equilíbrio financeiro, o algoritmo não espera por uma renegociação humana. Em vez disso, ele recalcula automaticamente os custos e dispara um ajuste de preço ao comprador, dentro de parâmetros de risco e lucro previamente definidos pelas partes. Uma vez que o navio atraca e o sensor confirma a qualidade e a quantidade das peças (um fato verificável por código), o pagamento é liberado instantaneamente e de forma autônoma, sem que ninguém precise clicar em "autorizar" ou "enviar".

    Essa execução impecável e autodirigida é a essência do contrato algorítmico. Em sua forma mais refinada, este contrato não é apenas um novo tipo de documento digital — é um novo modo de pensar o próprio ato de contratar. Ele é, ao mesmo tempo, código e compromisso; automação e confiança. Trata-se de um acordo automatizado que utiliza inteligência artificial e aprendizado de máquina para cumprir obrigações de maneira autônoma, ajustando-se em tempo real a eventos e variáveis do mundo.


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  • EP#50: Direitos Autorais na era da IA generativa
    Oct 1 2025

    Você abre o celular de manhã, pede um resumo das manchetes e, em segundos, o ChatGPT entrega uma versão condensada das principais notícias do dia. Conveniente, rápido, quase mágico. Mas aí surge a pergunta incômoda: se esse resumo veio de reportagens produzidas por veículos que dependem de assinaturas para pagar as contas, quem está financiando o trabalho original? É justo que uma ferramenta de inteligência artificial entregue o resultado sem passar pelo caixa do jornal? Essa tensão coloca dois valores fundamentais em rota de colisão: de um lado, o direito autoral que protege a imprensa e garante a sobrevivência do jornalismo profissional; do outro, a ideia de livre circulação da informação, uma garantias constitucional que ganha força na era digital.

    A disputa ganhou nome e número de processo. A Folha de S.Paulo processou a OpenAI em São Paulo. Pede duas frentes: que a empresa se abstenha de coletar e usar o conteúdo do jornal para treinar e para disponibilizar a usuários (inclusive em domínios sob paywall) e que indenize o uso pretérito. A petição descreve, entre outros pontos, reproduções de matérias no mesmo dia da publicação e a “burla do paywall”, caracterizando violação de direitos autorais e concorrência desleal. Há também um pedido duro: a destruição dos modelos que “incorporam” conteúdo protegido da autora, com base na Lei de Direitos Autorais.


    Enquanto isso, no Congresso, o tema está quente. A Comissão Especial do PL 2338/23, que discute a regulamentação da Inteligência artificial no Brasil, registram diagnósticos que ajudam a separar dois conflitos distintos: “treinamento” e “resultado”. Pesquisadores apontaram que muitos países já admitem exceções para mineração de texto e dados (TDM) sem exigir licenças obra a obra, e que o texto atual em debate no Brasil, ao limitar o TDM essencialmente a instituições sem fins empresariais, poderia sufocar pesquisa e inovação privadas. Também sublinharam um gargalo técnico: hoje não existe método confiável para atribuir, após o treinamento, “quanto” de uma obra específica contribuiu para o modelo — analogia do “bolo”: depois de assado, não dá para separar 10% de ovo e 2% de leite em cada fatia. Essa impossibilidade de atribuição complica qualquer modelo de remuneração granular por obra na fase de treino.

    Por outro lado, advogados, entidades de gestão e representantes de criadores foram taxativos: vigora o princípio de que uso de obra sem autorização do titular é violação; portanto, remunerar criadores cujas obras foram usadas para instruir sistemas de IA seria uma exigência coerente com a lógica da LDA. Há quem proponha, inclusive, reconhecer autoria do “sistema” com titularidade do operador/treinador — posição minoritária, mas presente no debate. Em paralelo, discute-se um “direito de veto” (opt-out) e mecanismos para restringir o uso de materiais por algoritmos, embora haja dúvidas técnicas sobre sua efetividade e rastreabilidade na prática.


    A defesa técnica dos modelos aponta limites práticos de atribuição e remoção, e argumenta que eventuais danos são compensáveis sem medidas irreversíveis — tese que pesou para o juízo ouvir a parte contrária antes de decidir a liminar. No campo legislativo, há diagnóstico empírico de que exigir licenças obra a obra no treino e métricas de contribuição por obra não é, hoje, tecnicamente escalável.

    É sobre esse tema que vamos debater no episódio de hoje. vem com a gente


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  • EP#49: ECA Digital e os Perigos da Adultização de crianças na internet
    Sep 3 2025

    Imagina o seguinte cenário: um youtuber de humor, conhecido pelo estilo debochado, solta um vídeo de quase uma hora sem nenhuma piada. Nada de memes, nada de edição engraçada. Só um alerta sério, pesado e necessário. Esse foi o caso do Felca e seu vídeo sobre a adultização infantil nas redes sociais. O impacto foi imediato: milhões de visualizações em poucos dias, uma enxurrada de debates e, na sequência, prisões, CPIs e até aprovação de uma lei no Congresso.

    O gatilho foi expor como crianças e adolescentes vêm sendo transformados em “mini adultos” diante das câmeras — dançando músicas sexualizadas, falando de dinheiro, exibindo implantes, bebendo, como se a infância fosse só um trampolim para engajamento e monetização. E o símbolo dessa distorção virou o influenciador Hytalo Santos, que chamava seus seguidores mirins de “crias”, “filhas” e “genros”, colocava menores em situações de namoro e em festas com bebidas. As denúncias contra Hytalo Santos não eram totalmente novas. Desde 2024, o Ministério Público da Paraíba (MPPB) já investigava o influenciador por possível exploração de menores em seus conteúdos.

    Duas frentes de investigação foram instauradas por promotorias em João Pessoa e Bayeux, apurando se os vídeos de Hytalo possuíam teor sexual e violavam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Na época, Hytalo defendeu-se publicamente afirmando que as mães das crianças consentiam com as gravações e que algumas adolescentes já seriam emancipadas. Ele alegou ter boa relação com as famílias, argumentando que “tudo tem o consentimento das mães”. Contudo, pela lei, mesmo o consentimento dos pais não legitima situações de possível abuso ou sexualização de menores, especialmente se houver violação de direitos fundamentais previstos no ECA.

    Após a publicação do vídeo de Felca em 6 de agosto de 2025, o caso Hytalo ganhou enorme visibilidade nacional. Nos dias imediatamente seguintes, as autoridades agiram rapidamente: em 12 de agosto, a Justiça da Paraíba determinou a suspensão de todos os perfis de Hytalo nas redes sociais (uma medida cautelar para cessar a exposição dos menores). No dia 13, foi expedido um mandado de busca e apreensão na residência do influenciador, onde a polícia apreendeu celulares e outros materiais para investigação.

    Hytalo negou as acusações em suas redes, mas a apuração prosseguiu com força total. Finalmente, em 15 de agosto de 2025, Hytalo Santos foi preso preventivamente junto com seu marido, Israel “MC Euro” Vicente. A prisão ocorreu em Carapicuíba (SP) por uma força-tarefa da Polícia Civil de São Paulo em colaboração com as autoridades da Paraíba, já que as ordens judiciais partiram da 2ª Vara de Bayeux-PB.


    Esse caso também abriu espaço para discutir um tema que parecia “inofensivo”: o sharenting, a mania de pais e mães de exporem a vida dos filhos nas redes desde o berço, que já foi tema de outro episódio do nosso podcast. Estudo recente mostra que 80% das crianças já têm presença digital antes dos dois anos. O que parecia só orgulho de família virou um prato cheio para riscos de privacidade, cyberbullying e até pedofilia. E aqui entra um dilema: até onde vai o direito dos pais de postar, e onde começa o direito da criança a não ser exposta?


    No fim das contas, o vídeo do Felca foi o estopim de um debate que não vai se encerrar tão cedo. Estamos falando de direito digital, direito da infância, responsabilidade dos pais e das plataformas. O caso Hytalo mostrou que quando a lei não chega a tempo, o mercado e a cultura online acabam preenchendo esse vácuo — quase sempre contra os interesses das crianças. E agora, como equilibrar a presença digital dos menores, que já é um fato, com a obrigação de protegê-los de abusos, exploração e superexposição? Quais os caminhos jurídicos possíveis? Regulação das plataformas é reforçada com esses episódios? É esse o ponto em que vamos discutir nesse episódio. Vem com a gente.

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